sem parar:
O cuidado está no centro da sustentabilidade da vida. Não há a possibilidade de discutir o mundo pós-pandemia sem levar em consideração o quanto isso se tornou evidente nesse momento de crise global, que nos fala sobre uma “crise do cuidado”. Não se trata de um problema a ser resolvido, nem de uma demanda a ser absorvida pelo mercado. Trata-se de uma dimensão da vida que não pode ser regida pelas dinâmicas sociais pautadas no acúmulo de renda e de privilégios. Não deu certo até aqui sendo assim. A organização do cuidado ancorada principalmente na exploração do trabalho de mulheres negras e no trabalho não remunerado das mulheres é um fracasso retumbante para a busca de redução das desigualdades antes e durante a pandemia do coronavírus.
Entre as mulheres responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência, quase ¾ fizeram essa afirmação. Essa é uma dimensão do cuidado muitas vezes invisibilizada, pois não se trata de uma atividade específica como é o auxílio na alimentação, por exemplo. Em casa, os tempos do cuidado e os tempos do trabalho remunerado se sobrepõem no cotidiano das mulheres: mesmo enquanto realizam outras atividades cotidianas, seguem atentas.
A maior parcela delas é branca, urbana, concluiu o nível superior e está na faixa dos 30 anos. Uma camada privilegiada, sem dúvida. Mas a crise sanitária sacudiu as estruturas em todas as casas de mulheres trabalhadoras. Entre as que responderam que estavam trabalhando mais do que antes da quarentena, 55% delas são brancas e 44% são negras. As relações entre trabalho e atividades domésticas se imbricaram, e se antes pagar por serviços era a solução possível, a pandemia mostra que solução será a não-divisão sexual do trabalho. Elas trabalham mais porque as tarefas ainda não são distribuídas de forma equânime no ambiente doméstico.
A maior parte das que têm essa percepção são mulheres negras (55%), que no momento em que responderam à pesquisa tinham como dificuldades principais o pagamento de contas básicas ou do aluguel. Como a pesquisa tem recorte por escolaridade também, ficou evidente que para as respondentes que têm até o Ensino Médio a dificuldade no acesso a alimentos também foi uma preocupação.
Não é à toa que a sensação de estar em risco é maior entre as mulheres negras. No Brasil, historicamente, a taxa de ocupação de pessoas brancas é maior em relação às pessoas negras. É preciso humanizar a leitura dos dados e destacar que “a taxa” representa milhares de pessoas que estão sempre em condição de vulnerabilidade. O que a pesquisa agora revela é o quanto maior é essa taxa, entre as mulheres (por raça) no momento da pandemia.
Se estão na base da pirâmide social pressionadas pelas estruturas que as desafiam na conquista do direito à renda, as mulheres negras que trabalham por conta própria têm estratégias de cooperação mais presentes no seu dia a dia. Elas são a maioria em relação às brancas entre as que veem a produção e a distribuição como processos a serem compartilhados. A pesquisa não aborda quais tipos de atividades predominam entre as mulheres que estão na economia solidária, mas evidencia diferenças nos arranjos econômicos entre raças.
Sobre a percepção de violência, 91% das mulheres acreditam que a violência doméstica aumentou ou se intensificou durante o período de isolamento social. Quando perguntadas sobre suas experiências pessoais, no entanto, menos de 10% afirmaram ter sofrido alguma forma de violência no período de isolamento. Esse percentual aumenta entre as mulheres nas faixas de renda mais baixa. Entre as mulheres com renda familiar de até 1 salário mínimo, 12% afirmam ter sofrido violência. Entre as mulheres que estão em áreas rurais e estão na mesma faixa de renda, 11,7% relataram a violência.